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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A Lei Orgânica de Peri Mirim e as imunidades dos vereadores

Faz algum tempo que chegou em minhas mãos um exemplar da ‘Lei Orgânica’ de Peri-Mirim. A ‘Lei Orgânica’ é expressão da autonomia municipal. É, na verdade, a nossa ‘Constituição’ (tendo sido denominada de Lei Orgânica pela atual Constituição Federal do Brasil) e nela está refletida a face de nossa cidadania.
Antes da vigente Constituição Federal ( a qual nos referiremos a respeito dela por CF/88) as Leis Orgânica (L. O.) possuíam um caráter diferente e não refletiam de fato a identidade e as aspirações dos municípios. É que estes (os municípios) não editavam as suas Leis, e sim, os estados aos quais eles pertenciam eram que, revestidos da incumbência de editar tais Leis, exerciam uma hierarquia legiferante superior sobre os núcleos municipais – que no nosso caso, era responsabilidade do Estado do Maranhão, através da Assembléia Legislativa – e essa superposição do estado acabava por suprimir a realidade municipal transcrita em suas Leis.
Nos dias atuais muita coisa mudou. Debaixo da promulgada CF/88, os municípios enfim receberam o reconhecimento de ente autônomo da federativa (permanecendo agora junto com os ‘estados’ e a ‘União’) e, por decorrência lógica do sistema federativo, do regime democrático e dos princípios republicanos, receberam também seu poder de ‘auto-organização e auto-legislação’. Isso significa independência administrativa e legislativa dos municípios em relação aos estados e à União ( porém, não uma independência absoluta, como pressupõe o vínculo federativo a que o município está harmonizado).
O ‘Federalismo’ é a forma de Estado, adotada por uma lei maior (Constituição), que consiste na reunião de vários estados num só, cada qual com certa independência, autonomia interna, mas obedecendo todos a uma
Constituição única, a qual irá enumerar as competências e limitações de cada ente que se agregou. A CF/88 foi a primeira em todo o mundo a reconhecer caráter federativo aos municípios, o que significa um grande avanço para os dias atuais e um exemplo que pouco a pouco começa a ser seguido por outros países. Disso decorre a conclusão que a L.O. deve se submeter tanto à Constituição do seu estado como a Constituição de seu País.
Feita essa explanação, quero tecer alguns comentários sobre as imunidades dos membros do poder legislativo municipal e da forma como dispõe nossa L.O. sobre o assunto. Este assunto na verdade interessa a todos nós como cidadãos de Peri-Mirim. É tema ainda de debates em várias cidades e motivo de segurança aos novos e futuros candidatos à Câmara do Município que estes conheçam bem acerca do assunto.
A Lei Orgânica de Peri-Mirim, em seu artigo 32, na seção que trata das imunidades dos membros do poder legislativo municipal, assim expressa:

"O vereador é inviolável por suas opiniões, palavras e votos. Parágrafo 1° - Desde a expedição do diploma e até a inauguração da legislatura subseqüente, o vereador não poderá ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processado criminalmente sem licença da Câmara Municipal. Parágrafo 2° - No caso de flagrante de crime inafiançável os autos serão remetidos, dentro de vinte e quatro horas à Câmara Municipal para que, pelo voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize ou não a formação de culpa. Parágrafo 3° - O vereador será submetido a julgamento perante o juiz de Direito da comarca."
O que se entende destas disposições acima é o seguinte:

Art. 32 - O vereador é inviolável pelo que ele fala. É uma imunidade cível que o protege de ser responsabilizado por motivo de eventual ‘dano moral’. (Essa imunidade é conhecida como ‘imunidade material’).
Parágrafo 1° - Desde a expedição do diploma pela junta eleitoral até a inauguração das reuniões na Câmara municipal no mandato seguinte o vereador não poderá ser preso, a não ser nos casos de flagrante em crimes inafiançáveis. Em caso de processo judicial, os autos remetidos à Câmara Municipal serão apreciadoss e somente assim, com licença de seus pares o processo dará continuidade na comarca que foi provocada. (Essa imunidade é conhecida como ‘imunidade formal’).
Parágrafo 2° - No caso em que o vereador seja retido em flagrante crime inafiançável, dentro de 24 horas a Câmara Municipal decidirá se ele permanecerá preso ou não, e também decidirá se o processo continuará ou se será extinto. (Essa imunidade é também chamada de imunidade formal).
Parágrafo 3° - O foro de julgamento cível ou penal para os vereadores será perante o juiz de Direito da comarca respectiva à denúncia.
As imunidades são inerentes ao cargo da vereança ( e não da pessoa). A inviolabilidade por palavras do vereador é importante pelo fato de que, assim, a pessoa investida no cargo não tenha receio de falar conforme as atribuições que lhe reveste. Essa imunidade (material) vem disposta na CF/88, artigo 29 inciso VIII: “inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município”. Como disse, é de suma importância essa qualificação, sob a premissa de não termos vereadores mitigados em seus direitos de expressão que requer de sua função.

Porém, deve ser entendido ainda que nada no Direito é absoluto, nada mesmo. Nem mesmo a vida é bem jurídico absoluto, pois a lei permite que ela seja subtraída em casos de legítima defesa, por exemplo. Dessa forma, as palavras do vereador não são ilimitadas em sua imunidade, devendo sempre estar medidas pelo princípio constitucional da proporcionalidade sob o risco dele responder civilmente, portanto.
A questão que suscita questionamentos é sobre as imunidades formais do vereador. O vereador não pode ser preso? Ou, se pode, apenas pode em casos de flagrantes por crimes inafiançáveis?? Ele só pode ser processado com licença da Câmara?

Tal questionamento, por mais assinalado que possa ser, já se encontra bem estabelecido e na seara jurídica já não causa muito transtorno, eis a razão:

A CF/88 dispõe expressamente sobre as imunidades materiais do vereador, mas não menciona as imunidades formais. Somente os membros do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas dos estados é que, pela CF/88, são investidos por esse tipo de imunidade. A pergunta que fica é: A CF/88 não dispõe, mas também não proíbe expressamente. A Constituição de um estado ou a Lei Orgânica de um município pode atribuir ao membro do poder legislativo municipal tal imunidade??
A resposta levantou processos que tramitaram até o STF onde enfim acabou-se com as divergências de pensamentos.

Na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 371, de 05/09/2002 / SE - SERGIPE, o ministro MAURÍCIO CORRÊA julgou inconstitucional artigo da Constituição estadual do Sergipe que outorgava prerrogativa do vereador de não ser preso a não ser em caso de flagrante de crime inafiançável sob o fundamento de que o estado não tem competência para estabelecer regras de imunidade formal e material aplicáveis a vereadores. Relembrou ainda que a Constituição Federal reserva à União legislar sobre Direito Penal e Processual Penal. E que as garantias que integram o universo dos membros do Congresso Nacional (CF, artigo 53, §§ 1º, 2º, 5º e 7º), não se comunicam aos componentes do Poder Legislativo dos Municípios.
Assim, a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) põe mais uma vez fim divergências de competências legislativas entre os entes da federação. Como eu disse logo no início desse artigo, os entes da federação ( União, estados e municípios) possuem suas competências e limitações expressas na Constituição, e é na CF/88 a expressão no
Art. 22 que aduz:

“Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”. E como os efeitos das ADI’s são de caráter genérico, e não apenas ao caso julgado, a decisão de inconstitucionalidade do artigo da Constituição do Sergipe atinge todas as demais constituições estaduais e municipais, colocando um ponto pacífico nas questões levantadas a respeito das imunidades formais dos membros do poder legislativo municipal.
CONCLUSÃO:

Os membros da Câmara municipal de Peri-Mirim possuem imunidades materiais em relação às suas palavras, dentro do território municipal, não esquecendo que nenhum direito é absoluto, nem mesmo a vida, como acima citado.
O município não recebeu competência de editar leis de caráter penal e processual, carecendo nossa Lei Orgânica de vício de inconstitucionalidade, merecendo ser corrigida nos próximos anos seguintes.
Que fique claro que os parágrafos 1° e 2° do artigo 32 são inconstitucionais e, portanto, no ordenamento jurídico, eles não oferecem nenhuma validade ou efetividade.
O meu anseio – não somente aos cidadãos de Peri-Mirim – se dirige à todas as consciências políticas que, sóbrias de nossa razão municipal estabelecida nos princípios da federação, desejam contribuir com o avanço não apenas no campo das necessidades imediatas mas também no respeito aos fundamentos que estabelecem nossa autonomia, é que olhemos para frente, para o avanço, ao encontro das necessidades de longo prazo, fundamentais ao exercício da cidadania das gerações futuras.
Charles Antoine Nunes Almeida
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