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sábado, 19 de setembro de 2009

TRANSFIGURAÇÃO

Poesia é transfiguração da alma. Por meio dela se restabelece o vínculo entre o adulto e a criança que existe em nós. Transfigura-se o adulto e revela-se a criança. Nisso está a beleza. Adultos transfigurados, desprovidos de máscaras, iluminados em sua inocência primeira.
Feliz do homem crescido que se deixa mostrar pequeno. Dele o Criador fará sacramentado, depositará em seus olhos infinitos sonhos e lhe dará asas para ir além dos muros que a realidade lhe impõe.

E atrás dos transfigurados vamos nós. Queremos vê-los, ouvi-los e, nos seus tons e palavras, depositar os cansaços que nos assombram. Sua arte nos descansa.
Tenho diante de mim uma palavra de Helena Kolody: “Meu nome, desenho a giz no muro do tempo. Choveu, sumiu”. A temporalidade é a matéria-prima do seu lamento. Um misto de dor e contentamento me invade de maneira descompassada. Mas essa invasão me acalma. O verso simples da mulher paranaense, solteira e sem filhos é capaz de me levar a pensar a vida feito muro em que se escreve a giz.
O ato de passar não me assusta, apenas me contextualiza sem ilusões. E por isso posso repousar, pois não tenho o fardo da expectativa. Sou o que posso. E sendo o que posso ser, transfiguro-me diante do muro em que meu nome está escrito. Não sou Helena, mas absorvo o seu poema, sua expressão léxica, existencial e admirável.

O seu escrito, por ora, torna-se meu. Aliena-se no sentir solitário que meu coração experimenta. Palavras que são minhas sem serem minhas, oráculos germinados em outras bocas, frutos de outros campos, outras glebas, outros prados.
Na transfiguração poética de Helena, eu me reconheço. Toco-me e consolo-me. Um ato inocente, puro, expressão de cuidado e amor próprio.

É bonito pensar na palavra como medicamento para a vida humana. A sonoridade do verso como instrumento que alivia a mais pungente dor, no ato de a permitir doer. Deixa de doer, doendo aos poucos. Não ilude, não anestesia, mas dói para curar.
Muitas vezes as palavras consolaram meu coração. Um poema de hora em hora é a prescrição médica que, por vezes, tenho o prazer de cumprir. Para os dias mais difíceis, para os momentos mais sofridos, essa é a melhor receita.
Ungüento verbal umedecendo as ressequidas esquinas da existência humana. Palavras ardendo, feito sarça que queima sem se consumir.
O poema é revelação. Lugar teológico em que descubro novos Moisés da história, novos profetas e novas transfigurações.
Teologia das realidades terrenas. Intuição que possibilita o piano de cauda ser também um lugar privilegiado para o encontro entre Deus e o humano. Lugar de revelação. Palavra que se fez carne, elegantemente debruçada nas notas da canção.
Talvez seja por isso que naquela noite eu tenha vivido aquela emoção emudecedora. Diante de mim estava Helena Kolody, essa mesma Helena cujas palavras mencionei. Parecia existir fora da mira do tempo. Embora envelhecida, era dotada de uma beleza pueril, de aspecto azulado. O azul é a cor da poesia.
Sua voz tinha um ritmo calmo, de quem já superou qualquer forma de pressa. “Não é o tempo que passa depressa, sou eu que vou devagar.” Estava eternizada nas pequenas coisas, e por isso não corria mais.
Correr para quê? Para apagar a luz, atender o telefone, compensar o cheque, não perder a hora? Não é preciso ir a lugar algum. Por isso desejamos erguer as tendas, para que permaneçamos juntos no lugar da transfiguração.
O poema é revelação. Revela escondendo, para não banalizar o mistério. Revela e transfigura, escreve e põe moldura no rosto de quem o percebeu. O poema é o retrato do poeta. Emoldurado, três por quatro, não importa. Faz do tempo a sua porta, por onde entra quando quer.

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