O Supremo Tribunal Federal concluiu, nesta quinta-feira (16/2), pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. A aprovação foi por 7 votos a 4.
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Os ministros também concluíram que a Lei Complementar 135 pode incidir sobre fatos ocorridos antes da sua edição e promulgação, além de terem considerado constitucional o dispositivo que torna inelegíveis por oito anos os políticos condenados por órgãos colegiados da Justiça, mesmo que ainda caiba recurso.
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Em dissonância, Gilmar Mendes utilizou quase um terço das 47 páginas de seu voto para sustentar veementemente a inconstitucionalidade da lei e o postulado do princípio da inocência (contra argumentando a condenação penal em segundo grau, antes do trânsito em julgado, como suficiente à inelegibilidade). "Não cabe a esta corte a relativização de princípios constitucionais dando vazão a anseios populares", opinou o ministro.
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Citando o jurista Hans Kelsen, o ministro disse ainda que remeter a aprovação de uma lei ao princípio constitucional da presunção da não culpabilidade representando pelo aforismo Vox populi, Vox Dei (voz do povo, voz de Deus) é conceder à população a condição de infalibilidade e onipotência. Gilmar Mendes defendeu que leis com expressivo apoio da opinião pública devem inadvertidamente passar pelo "controle constitucional do juízo".
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"A população acredita que a solução para improbidade é a Lei da Ficha Limpa. Daqui a pouco não bastarão o colegiado, o 2º grau", protestou Mendes. "Daqui a pouco isso seria insuficiente. Bastará a denúncia em 1º grau e talvez um inquérito policial", disse.
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Penúltimo a votar, Celso de Mello, reconhecendo o voto vencido, criticou o que considera uma afronta ao princípio de presunção de inocência. O decano também criticou severamente o dispositivo de retroatividade. "O Congresso não tem o poder de escolher fatos consumados no passado para, a partir dessa indentificação, elegê-los como critérios para restrição de direitos fundamentais", disse.
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Cezar Peluso, que votou por último, contra a lei, bateu na mesma tecla. "Retroatividade maligna", disse o presidente do Supremo, classificando o dispositivo como "confisco de cidadania". "A lei deixa de ter caráter prospectivo e geral passa a ter caráter particular", disse Peluzo. "Se transforma em lei num ato estatal de caráter pessoal de privação de bem jurídico à pessoa determinada."
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Os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cármem Lúcia, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio votaram pela constitucionalidade e validade da lei em sua integralidade, pedindo vênia ao relator no que tange ao desconto da suspensão de oito anos pelos anos ocupados, pelo candidato, com recursos na Justiça.
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No que diferem os votos dos que são favoráveis à Lei da Ficha Limpa?
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O ministro Luiz Fux (relator), em voto favorável à lei, entendeu, contudo, que o período de ineligibilidade que pesa contra o candidato (8 anos) deveria sofrer descontos contabilizados pelos anos que o político gastou na Justiça com recursos.
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Os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto decidiram pelo apoio integral aos dispositivos da Lei Complementar 135, pedindo vênia a sugestão do relator. Cármem Lúcia inicialmente votou em consentimento com o relator, amparando a sugestão de supressão de tempo do cálculo do tempo de inelegibilidade. Porém, voltou atrás, reconhecendo a constitucionalidade dos dispositivos da lei em sua integralidade.
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Marco Aurélio, ao contrário dos demais colegas favoráveis a lei, rejeitou o princípio de retroatividade, que estende o impedimento de candidatura aos políticos que respondem na Justiça por atos ocorridos antes da sanção da lei.
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A favor da lei: Luiz Fux, Barbosa, Rosa Weber, Carmem Lúcia, Lewandowski, Marco Aurélio e Carlos Brito.
Contra a lei: Gilmar Mendes, Celso de Melo, Cesar Peluso e Dias Tofolli.
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Vale destacar que o STF discutiu não apenas a alínea ''g'' do inciso I do artigo 1° da LC 135. Como descrito acima, de igual importância, um outro ponto de debates calorosos foi a alínea ''e'' do mesmo dispositivo, que se refere à inelegibilidade por crimes ainda não julgados em sua totalidade - ponto este adotado com efervecência pelo ministro Gilmar Mendes.
Síntese do assunto e questões ainda controversas
1 - O prazo de inelegibilidade de 8 anos inicia-se não mais a partir do trânsito em julgado, mas sim da condenação por órgão colegiado. Eventual recurso não terá o condão de retirar a condição de inelegibilidade. Penso que tal circunstância jurídica se aplica tanto para a alínea ''e'' como para a ''g'' (nesta última com minhas dúvidas pendentes, por não se tratar de orgão colegiado da justiça os tribunais de contas).
2 - Particularmente resta uma outra obscuridade ante o fato de que o acórdão ainda não foi publicado e das calorosas discussões com sub-itens cada vez mais fragmentados, a questão do poder da câmara legislativa de proferir decisões contrárias ao Tribunal de Contas. O assunto foi abordado mas aparentemente não restou nítido. Caso o STF entenda que as decisões do TCE (ou TCU) - as quais são tomadas por colegiados - encerram em si mesmas, nada restando, portanto, às câmaras legislativas no que pertine à um novo julgamento, a controvérsia da lei da ficha limpa estará apenas no início de sua discussão, tendo em vista que, incontroversamente sendo a lei retroativa, como ficaria a situação de dezenas de candidatos eleitos sob o aval das casas legislativas que desconsideraram o parecer negativo dos tribunais de contas?
3 - Muito embora o julgamento acerca da constitucionalidade da lei tenha sido encerrado, dezenas de outras questões e consequências pendem de um maior esclarecimento, razão pela qual, penso, o debate apenas está começando - e o pior, às vésperas das eleições -, o que é ruim, prejudicial ao exercício republicano.
Novas conclusões serão divulgadas aqui no portal.
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