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domingo, 4 de março de 2012

Ficha limpa - entrevista com o Min. Gilmar Mendes

O Congresso deveria mudar a Lei da Ficha Limpa?
Me parece que a Lei da Ficha Limpa vai causar vítimas em todos os partidos com essa amplitude. É uma roleta russa feita pelos partidos com todas as balas no revólver. Ainda vamos ouvir falar muitas vezes da Lei da Ficha Limpa. Vamos ter muitas peripécias. Acredito que o Congresso, passado o momento eleitoral, terá que rever essa lei, porque são muitas as perplexidades. O Congresso terá de assumir a responsabilidade em face da opinião pública. O Congresso talvez venha a se conscientizar de que não pode ficar aprovando leis simbólicas.
Que problemas o senhor vê na lei?
Por exemplo, os prazos de inelegibilidade são elásticos e infindáveis. A inelegibilidade pela rejeição de contas de prefeitos, por exemplo, pelos tribunais de contas. Será que isso é bom? Nós sabemos que temos problemas hoje nos tribunais de contas. Há uma excessiva politização e partidarização dos tribunais de contas. Ou nós não sabemos disso?
O senhor considera que possa haver julgamentos direcionados?
Não devemos ser ingênuos a ponto de não imaginarmos que pode haver manipulação. Imaginemos que um político importante seja condenado em primeiro grau numa ação de improbidade. Alguém desconhece a pressão que haverá sobre o tribunal para julgar também nesse sentido e torná-lo inelegível? Pressão eventualmente política, inclusive. Quem conhece a estrutura de alguns tribunais sabe que isso pode ocorrer e vem ocorrendo.
O senhor citaria exemplos disso?
Lembre-se de episódios que foram revelados sobre a antiga composição do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro foi o primeiro a sustentar a necessidade da Lei da Ficha Limpa. À falta de critérios, o tribunal ia os inventando. O que se diz hoje? Que determinados escritórios de advocacia conseguiam limpar a ficha das pessoas no TRE. Isso é objeto hoje de investigação no CNJ. Será que queremos reproduzir esse quadro?
O tribunal pode se deixar contaminar pela opinião pública no julgamento do mensalão?
Tenho a impressão de que não. A minha expectativa é de que isso não vai afetar, embora alguns discursos sugerindo esse tipo de atendimento da opinião pública, como no caso específico da Ficha Limpa, quase levariam no caso do mensalão a um tipo de juízo condenatório prévio. Tenho impressão de que todos nós estaremos conscientes de nossas responsabilidades.
O mensalão será julgado neste ano?
Tenho a impressão de que deveríamos julgar este caso. É um caso que onera o tribunal. Não temos mais justificativa para atrasos. O relator já apresentou o processo, o gabinete do ministro Lewandowski, que é o revisor, é um dos mais organizados do tribunal. Ele dispõe de condições inequívocas de trazer esse processo ainda neste semestre. Todos os ministros estão se debruçando sobre este caso. Portanto, não vejo justificativa para não julgar este caso logo.
O senhor acha que o foro privilegiado ajudou o trâmite desse processo?
Esse caso desmente a dita ineficácia do foro privilegiado. Qualquer sujeito minimamente alfabetizado sabe que esse processo complexo só está sendo julgado porque está num foro concentrado. Se estivesse espalhado por aí, teríamos tantos incidentes e Habeas Corpus que muito provavelmente isso não terminaria nem em 2099.
Mas o STF decidiu desmembrar o mensalão tucano.
Mesmo sendo mais simples que o mensalão do PT, talvez não seja julgado neste ano. O tribunal errou?O tribunal tem optado por essa visão minimalista. A posição que presidiu o caso do mensalão do PT parece razoável nesse sentido, porque são fatos que guardam conexão. Já tivemos casos de desmembramento que envolviam crime de quadrilha. Como fazer essa separação? Talvez estejamos aprendendo com esses equívocos. É claro que fascina sempre a ideia de desmembramento porque simplifica enormemente nossa tarefa de lidar com processos tão complexos e provas tão difíceis.
Ao julgar a Lei da Ficha Limpa, citou-se o anseio popular. Como o senhor. vê isso?
Não me preocupa a decisão em si sobre a Ficha Limpa tendo em vista esse alinhamento com a opinião pública. O que me preocupa são fundamentos nesse sentido de que o tribunal deva se curvar à opinião pública. Aí me parece extremamente preocupante, porque isso decreta o falecimento dos argumentos constitucionais. Foi aquilo que numa brincadeira disse: o papel do tribunal não é bater palma para maluco dançar. Nós estamos na rota errada quando um juiz diz que tem que atender a anseios populares.
Qual é o risco?
O risco é o tribunal perder a sua função de órgão de controle de constitucionalidade, de tutela dos direitos fundamentais. Essas maiorias que se formam no Congresso, muitas vezes, são ocasionais.
O senhor considera que isso ocorreu na votação da Ficha Limpa?
Olhando a Lei da Ficha Limpa, veremos que ela não teria esse aplauso que teve no passado se fosse votada hoje. Aquele foi um momento muito específico. Era um período pré-eleitoral, a maioria dos membros do Congresso concorreria às eleições e não queria ficar contra a opinião pública. Foi por isso, inclusive, que se produziu essa lei que é, do ponto de vista jurídico, um camelo. É uma lei mal feita. Quem passou por perto dela tem que ter vergonha. Quem trabalhou na sua elaboração tem que ter vergonha. Porque ela é uma lei extremamente mal feita. Não merece o nome de jurista quem trabalhou nessa lei. E o debate no STF serviu para mostrar isso.

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